domingo, 21 de agosto de 2011

UM MUNDO PEQUENO

Na capa da revista Vip de novembro de 2005, uma chamada anunciava que Angelina Jolie era a mulher mais “gostosa” do mundo. A chamada seguinte prometia revelar quais eram as cem mulheres mais sexy do planeta, dentre as quais se destacava a atriz americana. Como tantos outros mecanismos da mídia, esse jogo de linguagem tende a naturalizar uma visão de mundo bastante peculiar.

Tais anúncios sugerem, num primeiro momento, que a revista tenha examinado toda a população feminina do mundo à procura de mulheres que se enquadrassem nos padrões de sexualmente desejáveis por ela veiculados. Além disso, faz pensar na incontornável complexidade de uma seleção dessa natureza, pois, de cerca de três bilhões de seres humanos do sexo feminino, restou apenas uma centena de mulheres eleitas.

Uma chamada de capa de revista como essa é o resultado de um processo de redução inerente ao modo de operação da mídia. No caso das cem mais sexy, o universo tomado pela publicação é o das mulheres que, de alguma forma, transitam na mídia; num determinado segmento dela, para ser mais preciso. Essa é uma restrição violenta do mundo ao âmbito da produção midiática. Numa fórmula, também necessariamente redutora: o que não está na mídia não existe. Não é por acaso que a mulher mais desejável do mundo, de acordo com a Vip, seja justamente uma atriz de cinema notadamente submetida à superexposição, e que as cem mais sexy do planeta se dividam em atrizes, cantoras, modelos, e outras “celebridades” da mídia.

Mas esse processo não ocorre apenas dessa forma. Quando os jornais e os noticiários de televisão apresentam a sua editoria “mundo”, um pouco mais de atenção logo revela as dimensões desse mundo, pois as notícias se referem apenas a determinadas partes do planeta e a alguns assuntos julgados de interesse do público por aquele veículo. Numa situação mais próxima, o que os noticiários dos jornais de grandes metrópoles chamam de “cidade” refere-se a um pequeno grupo de reportagens, notícias e notas que pretendem dar conta de uma vasta quantidade de fatos ocorridos nessas regiões. O mundo da mídia é necessariamente um mundo reduzido.

O processo de redução é constitutivo da mídia, ou seja, é necessário ao seu modo de produção corrente. Ele limita o universo de escolhas de fatos, personagens e visões de mundo, criando uma “esfera midiática” que possui uma geografia e uma temporalidade próprias. Por exemplo, quando aponta uma música como “a melhor de todos os tempos”, a mídia relega à inexistência a maior parte do que foi considerado música ao longo da história humana, normalmente efetuando suas escolhas numa faixa de tempo estreita de um repertório também restrito, o da cultura ocidental ou ocidentalizada.

Embora o consumidor dos bens simbólicos da mídia possa ter plena consciência do processo de redução, ele aceita acreditar no fragmento apresentado como uma totalidade. Uma determinada notícia pode ser perfeitamente inteligível mesmo que esteja contida em três parágrafos de uma coluna de jornal. Constitui uma impossibilidade lógica apresentar uma notícia completamente contextualizada. O contexto de qualquer fato, levada a ideia ao extremo, é a história humana. Uma notícia é antes de tudo a narrativa de um fato isolado e a eleição de determinado ponto de vista como pleno de sentido para o público consumidor. Mas só há sentido na medida em que se restringe o mundo em que é construído e circula tal relato. Uma notícia não é uma notícia em si, não possui uma essência, mas ganha sentido quando relacionada a um mundo delimitado, conhecido.

É esse, em termos ideais, o mundo habitado pelo consumidor de produtos midiáticos. Por isso ele pode acreditar que Angelina Jolie seja realmente a mulher mais “gostosa” do mundo, como afirma a revista. Dentro da “esfera midiática”, tomada como a totalidade condensada da experiência humana, talvez ele não tenha dúvida alguma disso.

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