sexta-feira, 19 de agosto de 2011

ESPONTANEIDADE MIDIÁTICA

Quando percebem que há um microfone, uma câmara fotográfica, de cinema ou de televisão por perto, é comum as pessoas se prepararem, com um ar de estudada espontaneidade, para terem a fala e a imagem capturadas. Longe de ser um gesto instintivo, essa preparação do corpo é fruto de um longo aprendizado que se efetiva na intensa relação estabelecida entre as pessoas e a mídia nas sociedades modernas. A presença constante do jornal, da revista, do rádio, da televisão, do disco, do videocassete, do CD e das redes de computadores no cotidiano de grande parcela da humanidade supostamente “naturaliza” essa relação. Imersas na atmosfera da tecnocultura, as pessoas aprendem a dominar as particularidades dessa convivência. Um teórico da comunicação como Muniz Sodré, por exemplo, no livro Antropológica do espelho, considera que a mídia cria uma esfera da vida à parte, um novo ambiente da existência humana.

Uma contundente ilustração dessa espontaneidade midiática são os reality shows. A crer que não haja um roteiro para a atuação dos personagens confinados na casa-cenário do Big Brother Brasil produzido pela Rede Globo – o mais famoso dos programas desse gênero na televisão brasileira –, é notável como os participantes se mostram prontos para desempenhar seus papéis. Não está aqui em discussão a qualidade e os propósitos do programa, mas a sua estrutura de metódica observação da “espontaneidade” da convivência dos participantes.

Desse ponto de vista, eles não estariam representando no sentido teatral, mas acionando uma espontaneidade “escrita” na linguagem da televisão em particular e da mídia em geral. As suas ações estariam de acordo com o ambiente existencial que a mídia proporciona. Em outras palavras, eles estariam verdadeiramente “existindo” na ambivalente esfera midiática, que ora se entrelaça com o real histórico, ora dele se distancia.

Nas bordas desse ambiente existencial, o acionamento da espontaneidade aprendida não é menos intenso. Basta assistir a uma reportagem qualquer de televisão, por exemplo, sobre uma tubulação de água rompida numa rua movimentada e os consequentes transtornos causados. Lá estarão as pessoas construindo a cena, representando o seu papel de morador, de comerciante, de transeunte, de autoridade. Olho na câmera, voz modulada, expressão adequada ao veículo, assim ocorre a existência midiática. Pode-se dizer que cada um sabe como existir nesse mundo “dentro” da comunicação de massa, que entende e sabe manejar as regras dessa existência.

No que diz respeito ao campo estritamente da política, e a propósito da recorrente discussão que nasce das denúncias de corrupção que envolvem, entre outros aspectos, os gastos com propaganda eleitoral, a técnica da espontaneidade parece ser um tema inevitável. Há quem sugira um novo formato de programa eleitoral, principalmente na televisão, de menor custo, em que a apresentação pelo candidato de sua plataforma seria o elemento principal. Em tal formato, alegam seus defensores, o eleitor poderia mais bem avaliar o candidato, sem o aparato de toda sorte de efeitos que hoje grassam nos programas eleitorais, pois assim os candidatos apareceriam mais “verdadeiros”.

No entanto, isso parece constituir uma impossibilidade, uma vez que a prática política moderna não prescinde da técnica da “espontaneidade”. Qualquer candidato em face da mídia aciona seus recursos de calculada naturalidade. A espontaneidade midiática nada tem a ver com a noção de “verdade”. Aliás, o que por muito tempo se considerou a “verdade” está posto sob suspeita pela ambiência contemporânea da mídia. Trata-se de uma outra esfera de valores onde a “verdade” tem um outro significado e outro peso.

A convivência intensa com todo o aparato da tecnocultura, de certa forma, ensinou ao indivíduo moderno a passar de um ambiente existencial ao outro, do real histórico ao mundo da mídia e vice-versa, sem dificuldades. Não haveria mais o tipo de medo revelado pelos índios nos primeiros contatos com a câmera fotográfica dos antropólogos de que aquela “caixa” pudesse capturar suas almas. O indivíduo moderno estaria permanentemente preparado para a existência midiática.

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